Lei do silêncio, heroína ou vilã?
Projeto de lei que aumenta os níveis de ruídos no Distrito Federal levanta polêmica entre defensores da música ao vivo em bares e restaurantes e moradores. Mas a polêmica vai além do comércio. O barulho rotineiro da cidade já é motivo de reclamação
>>OTÁVIO AUGUSTO SILVA
Nas últimas semanas, a possível alteração na Lei do Silêncio deixou o Distrito Federal dividido. Como a proposta de mudança é uma reivindicação de donos de bares, músicos e comerciantes, a discussão levou ao antagonismo de dois grupos: os que defendem a música ao vivo e os que desejam manter o sossego absoluto. O debate, no entanto, é mais amplo. O problema do barulho extrapola a questão da vida cultural de Brasília. O brasiliense reclama insistentemente — e pelas mais diversas razões. Dos cultos nas igrejas ao salto do vizinho, quase tudo é motivo de incômodo.
Nas últimas semanas, a possível alteração na Lei do Silêncio deixou o Distrito Federal dividido. Como a proposta de mudança é uma reivindicação de donos de bares, músicos e comerciantes, a discussão levou ao antagonismo de dois grupos: os que defendem a música ao vivo e os que desejam manter o sossego absoluto. O debate, no entanto, é mais amplo. O problema do barulho extrapola a questão da vida cultural de Brasília. O brasiliense reclama insistentemente — e pelas mais diversas razões. Dos cultos nas igrejas ao salto do vizinho, quase tudo é motivo de incômodo.
No Guará, por exemplo, a 14 km do centro de Brasília, o motivo é duplo. Cerca de 5 mil pessoas em três condomínios na QE 40 enfrentam o problema da zuada. Por lá, a coleta de lixo durante a madrugada é o maior transtorno. “São vários conteineres e o solavanco das maquinas faz um barulho ensurdecedor, isso às duas, três da manhã”, reclama o síndico do residencial Sports Clube, Alex Sandro Souza. A poucos metros dali também funciona uma igreja evangélica. O ruído excessivo dos cultos virou alvo de queixas. “Formalizamos nos órgãos fiscalizadores, mas não adiantou nada”, queixa-se o representante do condomínio Maestri, Cristiano Leite Macedo.
Até a última semana, segundo o Instituto Brasília Ambiental (Ibram), foram 700 queixas, contra 736 denúncias durante todo o ano passado. Comércio, como os bares e restaurantes, e ruídos domésticos, como o arrastar de móveis, lideram a lista de reclamações. Apesar disso, a parte mais visível dessa história é o fechamento e a multa de alguns estabelecimentos, sobretudo de bares. De janeiro a maio, 155 foram multados. Por isso, os comerciantes decidiram encabeçar esse movimento pela mudança da lei.
A discussão ganhou as ruas e no site do Correio os internautas se mostraram favoráveis à modificação: 57% disseram sim à mudança na legislação, ante 43% contrários. Caso o projeto de lei 445/2015 de Ricardo Vale (PT) seja aprovado, haverá aumento significativo do nível de ruído. Com a nova regulamentação os níveis passariam de 55 decibéis (dB) para 70 dB em áreas residenciais e de 60 dB para para 75 dB em comerciais locais.
“Não se pode permitir mais barulho do que já existe. Temos vários problemas relacionados a isso. A nova lei vai trazer ainda mais aborrecimento”, avalia a sub-síndica do residencial Olimpyque, Marina Coutinho Afonso, do conjunto de condomínios da QE 40 do Guará II. A administradora do Setor de Diversões Sul, o Conic, Flávia Portela, também é contrária à mudança da lei. “Estão criando uma briga entre saúde e cultura. É preciso mais estudo para fazer uma regulamentação dessas. Não houve critérios para redigir esse projeto”, critica.
O petista Ricardo Vale, autor do projeto, defendeu na última audiência pública na Câmara Legislativa para debater o assunto, em 16 de junho, que a Lei atual não atende a demanda e a realidade atual da cidade. Artistas, produtores culturais e comerciantes defendem a regulamentação. Na última sexta-feira, mais um bar foi fechado por exagerar na emissão de ruídos. “Essa foi a segunda aferição. Fui multada em R$ 20 mil. Tenho uma política de boa vizinhança, estou numa área mista. É preciso ter uma flexibilidade maior para o comerciante”, diz Adriana Coato, comerciante em Santa Maria.
“É uma tristeza ver Brasília se tornar uma cidade sem expressão cultural. Nem mesmo na ditadura havia tamanha repressão. Há interesses maiores querendo tirar as áreas comerciais um papel que existe desde que elas foram criadas”, lamenta Engels Espíritos, um dos líderes do Movimento de Valorização dos Músicos (MVM). Sua colega, a comerciante e produtora cultural Juliana Andrade, cobra ações do governo. “O estado tem a obrigação de rever os índices de decibéis permitidos a cada dois anos. O que se vê é uma negligência que já dura sete anos”, opina ao esclarecer que as medidas atuais desaceleram a economia local.
Nova discussão
Nova discussão
Hoje, o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF) vai realizar o workshop “Os impactos do som ao redor”, que apresentará dados relativos aos níveis de conforto acústico no DF. Segundo o levantamento, o isolamento acústico dos imóveis que estão sendo construídos na capital federal garantem o mínimo de conforto contra sons externos.
A pesquisa monitorou 10 canteiros de obras e para a entidade os sistemas construtivos usados como concreto, dry-wall ou cerâmica estão dentro enquadrados na norma de desempenho determinada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). “Foram analisadas 45 tipos diferentes de sistemas construtivos usados nos empreendimentos.Todas as construções avaliadas garantiram, pelo menos, o nível mínimo”, assegura Dionysio Klavdianos, diretor da entidade.
Para a fonoaudióloga Isabela Carvalho, os ruídos na grandes cidades estão acima do recomendado. “Em alguns locais temos alarmantes 90 decibéis. Nessa intensidade, após quatro horas diárias de exposição, o indivíduo terá sua acuidade auditiva afetada.” Decibéis muito acima do tolerável ocupam hoje o terceiro lugar no ranking de problemas ambientais que mais afetam populações do mundo inteiro, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Para eles, todo e qualquer som que ultrapasse os 55 dB já pode ser considerado nocivo para a saúde.